Depois de ler algumas críticas a respeito do filme que colocou a Lúcia Puenzo no hall da nova geração de cineastas latino americanos, senti extrema necessidade de expressar minha opinião a respeito.
XXY é um filme incomum: tanto por seu tema, que consiste ainda em um tabu social; como pela forma em que foi traduzida visualmente esta historia. Em resumo o mundo abordado é o mundo pessoal de Alex, um adolescente hermafrodita, que vive numa cidadezinha do sul do Chile, com seus pais. Alex foi levado para longe de sua cidade natal como uma tentativa, por parte de seus pais, de protegê-lo – um ato mais ligado à covardia e vergonha dos pais do que ao bem-estar da criança. O tempo se passa e Alex é tratado por seus pais como menina, fazendo uso inclusive hormônios femininos, ministrados por sua mãe. Mas rapidamente se vê que esta não é uma escolha consciente e pessoal do adolescente. Após situar o espectador da condição da família, começa-se a historia: a mãe de Alex convida um grande cirurgião argentino para passar uns dias em sua casa e em contrapartida analisar se Alex está apto a realizar a cirurgia de definição do sexo. O médico chega com sua família: a esposa e o filho também adolescente. Acontece então um tipo de relacionamento casual/consensual entre os adolescentes.
Lendo as criticas não tive como não reparar que a maior reclamação vinha pelo fato de Puenzo não ter explorado mais o envolvimento romântico dos adolescentes. “Quando a historia começa o filme acaba”, disseram alguns. Sinto muito, colegas, mas tenho que discordar. O tema central do filme não foi em momento algum o relacionamento amoroso de Alex, mas sim a sua condição e a sua relação consigo mesmo. Alex é a alma do filme, e todas as suas questões levantadas ao longo da película foram sim finalizadas. Um personagem raro como este não pode ser tratado de forma convencional e não se pode esperar que as tramas que o cercam seja os mesmos de 8 a cada 10 filmes. Este não é um filme de amor. É um filme sobre a dor e a duvida de não saber direito quem é; de se sentir excluído, de desconhecer os outros membros da sua família, de não poder contar as pessoas quem você é, ou qual a sua condição; de não ter amigos; de não saber o que se quer. Alex não sabia se era menino ou menina, se gostava de menino ou menina, se deveria ou não continuar com os hormônios, se deveria ou não contar ao seu único amigo a sua real condição.
A narrativa se desenvolve de forma totalmente linear, sem uso de flashbacks nem nada do tipo. Mas também, que lembranças este personagem pode ter, se seus pais suprimiram isso? O filho do médico é decisivo na vida de Alex, mas não da forma romântica que todos pensam. Sua atuação realmente se faz importante porque é ele que traz tona as duvidas que Alex mantinha de forma totalmente subjetiva.
Da metade para o fim do filme temos as decisões de Alex e as conseqüências disso: de contar ao seu amigo e ter sua intimidade exposta para os outros garotos da cidade, e ser violentado por isso; de resolver parar com os hormônios e deixar seu lado natural masculino aflorar; de se envolver com o garoto argentino que está prestes a ir embora; e por fim de ter a aceitação total por parte de seus pais. Alex aprende a lidar consigo e essa foi sem dúvida a melhor resolução para esse filme. Não sabemos se ele se relacionou posteriormente com a amiga de rápida aparição ou com o garoto argentino, acabamos não identificando claramente a sexualidade dele, mas e todas as grandes decisões que ele tomou no decorrer do filme, não contam?
Este é um filme extremamente sensível, delicado e poético. Puenzo conseguiu contar uma historia tão complexa sem cair em momento algum em estereótipos. Uma obra extremamente agradável aos olhos, composta por belíssimas tomadas, e que conta com uma das grandes atrizes desta nova geração, a Inés Efron.
Texto por Angie Marinho
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